Quando acordei, já estava dia claro. A chuva tinha parado e
o sol estava lindo. Um maravilhoso dia de sol, num inverno frio, mas
extremamente agradável. Levantei da cama e fui até o
quarto de meu pai. Ele já tinha saído da cama. Dirigi-me
até a sala e encontrei-o sentado no sofá, no cantinho
que sempre ficava. Sentei do lado dele.
- Dormiu bem, Rafinha.
- Dormi, pai. Onde o pai estava de noite. O pai gosta daqueles monstros?
- Rafinha. Papai estava num lugar maravilhoso, de aprendizado. O Rafinha
estava lá também. E, por isto, o papai ficou muito contente.
Aqueles monstros, meu filho, são meus grandes amigos. Vamos
fazer um café?
Na cozinha, fizemos o café bem quente. A preocupação
com o que acontecera naquela noite não me saía da mente.
Papai também estava calado. Olhava muito para mim, com brilho
nos olhos. Volta e meia passava a mão sobre minha cabeça
e dizia: - “Grande Rafinha”!
A mãe e minha irmã, Marina, chegaram na
cozinha. Papai conversou com a mãe, sugerindo que fossemos
à praia, já que estava um lindo dia de sol e era sábado.
A mãe concordou e foram preparar tudo para passarmos o final
de semana em nossa casa de praia, na Armação do Pântano
do Sul. Em meia hora, tudo estava pronto. Certamente, o grande trabalho
na preparação do que tinha que ser levado estava nas
coisas da Marina, que tinha menos de dois anos de idade. Eram tantas
sacolas! Papai descia do apartamento até o carro sucessivas
vezes, levando sacolas de comida e roupa, televisão, carrinho
da Marina, enfim, um porta-malas cheio. E só para dois dias!
No trajeto para a casa de praia, lembro-me que perguntei
para o meu pai:
- Porque o Papa não vem novamente aqui?
- O Papa, Filho. Porque?
- Se o Papa vier, eles tiram todas estas lombadas.
O pai deu uma brutal gargalhada.
-É, filho. Respondeu ele.
- O Papa deveria morar aqui em Florianópolis. Assim, tirariam
todas as lombadas.
Do apartamento até a casa de praia, tem mais
de quinze lombadas. É uma chatice. Para cada uma delas tem-se
que quase parar o carro, trocar de marcha e retomar a velocidade.
E, tem trechos que é uma atrás da outra. Estas lombadas
estão se proliferando como praga. Que se obrigue os motoristas
a manter baixas velocidades através de outras formas! Enfim,
há tantas coisas erradas em nosso redor. É melhor nem
pensar! Pelo menos nos dois dias que o Papa ficou em Florianópolis,
todas as ruas por onde passou tiveram as lombadas retiradas. Quando
o Papa foi embora, dá-lhe a reconstruir todas elas rapidamente.
Chegamos na casa de praia e o pai e a mãe foram
arrumando tudo. Quando tudo estava pronto, nos seus devidos lugares,
o pai pegou a sua cadeira favorita e o velho companheiro chimarrão.
Ficou sentado no gramado, no jardim da casa, observando a Marina brincar
na areia com o baldinho e suas pazinhas. Eu, estava andando com minha
bicicleta pela rua. Gostava de dar aquelas freadas, para ver a roda
de traz derrapar.
Por vezes, enquanto estava neste passeio com minha bicicleta,
passava pela minha mente os acontecimentos da última noite.
Que amigos feios têm o papai. Parecem com monstros. De repente,
outros fatos me vieram a consciência. Comecei a lembrar dos
momentos que antecederam o meu encontro com o pai. Puxa! Estava numa
espaçonave, no espaço! Para mim, naquele momento, parecia
mentira. Mas, eu tinha certeza que lá estivera. Era tudo tão
real! Senti vontade de falar com o pai. Pedalei mais rapidamente,
tomando a esquina da rua de casa. Deixei a bicicleta em frente ao
portão de entrada e aproximei-me do meu pai. Não sabia
o que dizer. Como começar a falar no assunto? Era tão
complicado. Sentei na borda da calçada, ao seu lado.
- Rafinha, não queres mais andar de bicicleta?
Ficou cansado?
- Pai. Existe naves no espaço?
- Existem sim, filho. E muitas delas estão bem próximas
de nós. Só que a gente não consegue vê-las.
Os nossos amigos, que estão dentro delas, preferem assim. É
melhor para nós.
- Pai. Eu já entrei numa nave?
O pai respondeu que SIM. Mas, me explicou que no momento
atual em que nos encontramos, que é temporário, apenas
nos deslocamos até as naves em estágio de sono. Enquanto
dormimos, disse-me ele, atingimos um estágio de absoluta harmonia
e equilíbrio entre as diversas forças que atuam no nosso
organismo. É o sono mais profundo. Aí, começamos
a sonhar. E, durante o processo de sonho, viajamos pelo nosso sub-consciente,
até as suas entranhas mais profundas. Para os que são
espiritualmente mais evoluídos, é permitido o desdobramento,
ou seja, a separação do corpo físico do corpo
espiritual. Assim, o corpo espiritual pode deslocar-se para onde bem
quiser, ficando o corpo físico em estado de absoluto repouso.
Numa micro-fração de segundo, sob quaisquer interferência
no estágio de repouso do corpo físico, há o retorno
imediato do corpo espiritual, já que ambos habitam o mesmo
espaço-tempo e são interligados pelo perispírito.
Assim, através deste processo de desdobramento do corpo espiritual,
entendi que sim, que tinha viajado realmente até aquelas naves
fantásticas. Meu pai explicou que o local onde havíamos
nos encontrado, o Grande Ambiente, era numa estação
orbital sob as nuvens do planeta Vênus. Papai me confirmou que
tinha informações do Comando Zero confirmando que eu,
através de meu corpo espiritual, já tinha viajado, para
estudos e treinamento, em algumas espaçonaves. Estava enfim,
sendo preparado para o Futuro!
Enquanto o pai falava, mais imagens chegavam a minha
mente. Era verdade! As aulas sobre aqueles motores enormes eram verdadeiras.
Não eram fruto da minha imaginação. Arrisquei
ir mais a fundo na questão.
- Pai. Eu viajei numa nave que era muito, muito, muito
rápida. E tinha dois motores, igualzinhos. Tinha um hospital
também. Tinha muita gente dentro dela.
- Era uma nave muito veloz, meu filho?
- Era pai.
- Meu filho, queres desenhar esta nave para o papai?
- Quero.
Meu pai levantou, deixou o chimarrão sob a calçada
e foi pegar papel e caneta para que eu desenhasse a espaçonave
em que viajara. Sabia agora que realmente tinha estado nela, que tudo
era verdade. Somente, que estive através de meu corpo espiritual,
sem presença física.
Pela idade que tinha na época, o que desenhei
foram rabiscos. Mas, o que importava, era o sentimento de felicidade
que estava passando, por saber que tudo o que tinha visto e aprendido
realmente existia. Que maravilhoso!
Tomei o cuidado de desenhar os dois motores gigantes
e iguais um ao lado do outro, como se situavam. Ficavam numa parte
baixa da nave, quase ao centro. Cada um, tinha a sua sala própria.
Muita gente trabalhava nestas salas. Expliquei para o pai que todas
as naves tinham dois motores. Mas, somente um funcionava de cada vez.
Enquanto um funcionava, o outro ficava parado. Se um era desligado,
o outro entrava em funcionamento. O pai me explicou que este é
um sistema DUAL, utilizado na estrutura de propulsão central
das naves. Além destes dois motores principais, há os
motores auxiliares, também de grande potencial de propulsão,
porém em menor intensidade. Para estes motores auxiliares,
utilizam um sistema DUPLO-DUAL, ou seja, quatro unidades interligadas
entre si. Com esta estrutura de interligação dos motores
principais e auxiliares, nenhuma nave ficará vagando pelo espaço
por falta de força de propulsão. Todos os componentes
deste complexo são monitorados durante todo o tempo por um
super-computador especializado, capaz de detectar a mínima
falha de operação, e com capacidade de orientar todo
o processo de ajustes que se façam necessários, sempre
sob rígida fiscalização. Este super-computador
é interligado com o computador central de navegação
da nave e subordinado ao computador mestre.
- Pai, sabe esta máquina aqui? Apontei para
um ponto do desenho que estava fazendo, para mostrar a nave em que
tinha viajado.
- Sim filho. Para que serve?
- É para guardar o xixi e o cocô, pai.
Bom Filho, retrucou meu pai. Explicou que deveria tratar-se
de um equipamento para eliminar os detritos orgânicos gerados
pelos tripulantes da nave. Há também, explicou meu pai,
os equipamentos para eliminar todo o tipo de lixo gerado dentro da
nave. Utilizam processos de desintegração e transformação
molecular, conforme o caso. As minúsculas cápsulas remanescentes
são armazenadas em compartimentos estanques e, quando a nave
estiver num entreposto, são descarregadas.
- Mas filho, e o hospital? Vistes um hospital na nave?
Como era?
Respondi-lhe conforme as imagens que tinham ficado no
meu consciente. Era um grande corredor, muito bonito, cheio de portas.
Me lembro que passei por ele e o instrutor explicou que estávamos
num hospital e, portanto, não devíamos conversar alto.
Por vezes passava um homem ou uma mulher, carregando uma bandeja ou
um instrumento. Tentei localizar, no meu desenho, onde se situava
o hospital. Ficava numa parte superior da nave. Meu pai explicou que
em todas as naves interestrelares e intergalácticas, os hospitais
eram necessários. Devido ao tempo de permanência da tripulação
dentro das naves, a possibilidade de ocorrem problemas de saúde
eram reais. Então, tudo tinha que estar estruturado para bem
cuidar da saúde dos tripulantes. Também, em muitas delas,
existem os contatos com estruturas de vida desconhecidas, que podem
interferir na saúde dos tripulantes. Assim, estes hospitais
são muito bem aparelhados, com profissionais extremamente capazes,
e com computadores avançados para lhes auxiliar em quaisquer
decisão. A saúde física, mental e espiritual
dos tripulantes destas naves é prioridade. Independente do
posto do tripulante.
Enquanto meu pai falava, fiquei pensando naqueles seres
horríveis que estavam conversando com ele no Grande Ambiente.
Preciso saber mais sobre eles. Porquê estavam ali? Quem são?
Percebendo que estava ansioso, perguntou-me:
- Filho, queres falar alguma coisa com o papai. Pode
falar!
- Pai, e aqueles monstros, quem são?
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