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O ENCONTRO


Olhando pela janela da sala, senti mais de perto a chuva forte que caía naquela fria noite de inverno. Ventava muito e, não me arriscava a abri-la. Pelo vidro observava atentamente a firmeza da natureza, devolvendo toda aquela quantidade de água absorvida da superfície da Terra e armazenada nas nuvens. De uma coisa eu tinha certeza: Para muitas obras, boas ou ruins, que a natureza nos prepara, os seres humanos são delas mero espectadores.

O intervalo do filme que assistia com meu pai acabara. Retornei ao sofá, recostando-me ao seu lado. Ficamos ali juntos, por mais meia hora, até o filme acabar. Fomos então à cozinha, onde preparamos um delicioso copo de chocolate quente. Com o frio que fazia, não poderia haver coisa mais saborosa. Gole a gole, sentia o calor descer por minhas entranhas. Papai dirigiu-se comigo ao quarto, colocando-me na cama, tomando o cuidado, como sempre fazia, de bem puxar as cobertas, até cobrir todo o meu pescoço. Sentia-me bem com isto. Era um sentimento de tranqüilidade e segurança. Aí, debruçou-se sobre mim, dando-me um suave beijo na testa, dizendo carinhosamente para que “sonhasse com os anjinhos”.

- Boa Noite, Papai.
- Boa Noite, filhinho. Fique com Deus.

Da cama, ouvia o suave barulho da chuva. Que gostoso. Esfreguei a cabeça no travesseiro, procurando a melhor posição, encolhi-me um pouco. Estava bem! O sono veio chegando de mansinho. Em pouco tempo, já estava mergulhado num profundo sono.

O instrutor acabara com a sua palestra, que foi brilhante. Estava aprendendo muito sobre o processo de propulsão dos reatores anti-matéria. O assunto sempre me fascinou. Agora, com todo aquele aparato educacional, estava certo de que fizera uma boa opção. No início, pelas várias alternativas que me foram apresentadas, estive durante algum tempo pulando de um assunto para outro, até achar aquele que me tocasse no fundo. Tempos atrás, lembro-me que os propulsores e retro-propulsores anti-gravidade me fascinaram. Fiquei encantado com as possibilidades apresentadas. Imaginava, e buscava aprender, como que aqueles pequenos equipamentos, espalhados por pontos estratégicos na espaçonave, conseguiam faze-la flutuar no espaço com gravidade, como se ela simplesmente não existisse. A flutuação perfeita, sem quaisquer vibração, é espantosa. Estes propulsores e retro-propulsores anti-gravidade, combinados com o reator central de propulsão anti-matéria, permitem à espaçonave fazer, sob ambiente com gravidade, movimentos incríveis. Mas, com o passar do tempo, decidi-me pelos reatores anti-matéria, responsáveis diretos pelas altíssimas velocidades que estes veículos podem atingir, com segurança absoluta e, o que é o principal, para quem está dentro do veículo, é como se ele estivesse parado. Simplesmente, não se tem noção de deslocamento, em tempo algum. Claro, existe a adequação da gravidade interna, relacionada às forças de empuxo da espaçonave, para manter o equilíbrio desejado. Tudo calculado instantaneamente pelo Computador Central de Navegação, que atua em todos os mecanismos necessários para manter esta agradável situação para os seus tripulantes.

As despedidas, em momentos como este, sempre são muito carinhosas. Estava na palestra com mais onze colegas, todos próximos da minha idade, quatro anos. Ao nos aproximarmos da porta de saída da sala em que estávamos, esta se abriu automaticamente, como era normal dentro daquela estação orbital. Nos deslocamos por um corredor até o Grande Ambiente, assim chamado pelos grandes mestres. Ali se reuniam todos os visitantes aprendizes, para ouvir as preces de despedida do Comandante Koor, responsável maior daquele complexo educacional. Nosso grupo entrou junto no Grande Ambiente, acompanhado de nosso instrutor. Ainda caminhávamos lentamente ao local para nós designado, quando sem saber porque, dirigi meus olhos a um grupo de adultos próximo. Surpreendi-me, porque entre eles havia seres alienígenas, não humanos. Isto me chamou a atenção e passei a observá-los durante a minha caminhada. Eram uns seis ou sete, onde três deles eram alienígenas, e diferentes entre si. Certamente, conforme já me tinha sido apresentado em palestras anteriores sobre civilizações desenvolvidas humanas e não-humanas, aqueles três eram de espécies diferentes da espécie humana. Os demais eram humanos e, pelos uniformes que trajavam, pertenciam ao comando da Frota Intergaláctica para a Paz. Passei os olhos por estes brilhantes homens, que dedicam, como sabemos, suas vidas passadas e atual à evolução das civilizações humanas e não-humanas que se espalham por inúmeros recantos do universo. MEU DEUS DO CÉU! COMO PODE? É PAPAI!. Entre estes seres, estava meu pai, conversando suavemente como os demais, gesticulando muito. Passei a olhar firmemente para ele, durante alguns segundos. De repente, meu pai passou os olhos pelo meu grupo e me viu. Parou instantaneamente, arregalou seus olhos castanhos e ficou imóvel, olhando diretamente para meus olhos. Aqueles segundos durarão uma eternidade para mim, e digo com certeza, durante toda a minha existência. Que maravilha! Encontrei meu pai aqui, no Grande Ambiente.

Com o impacto de ter visto meu pai, acordei de sobressalto. QUE SUSTO! Os recentes acontecimentos começaram a fugir de minha mente, rapidamente. Ficou a imagem de meu pai, gesticulando e falando com aqueles seres, diferentes de tudo o que já vira antes. Que horrível sensação.

- Quero falar com meu pai. Agora.

Levantei da cama, empurrando as cobertas. Dirigi-me ao quarto de meu pai. Abri suavemente a porta e fui para o lado da cama onde ele dormia. Aproximei-me de seu rosto, tocando-lhe o braço suavemente. Papai estava acordado e, acendendo a luz de cabeceira da cama, perguntou com voz baixa:

- Que foi, filhinho. Que aconteceu!

Abraçou-me, aproximando nossos rostos, acariciando minhas costas.

- Pai, quem eram aqueles monstros que estavam com o Pai?
- São grandes amigos do papai. Não se preocupe, filhinho. Eles são seres bondosos que só querem nos ajudar. Papai gosta muito deles. Não se preocupe.

Papai me pegou no colo e levou-me até meu quarto. Me colocou com carinho na cama, agasalhando-me. Sentou no chão e ficou acariciando minha testa. Lembro que me dizia para não me preocupar com o que vira. Que tinha acontecido algo maravilhoso. Que nosso amor era muito profundo e antigo, pois, tínhamos nos encontrado em estágio de sono, quando ambos viviam o mesmo espaço-tempo a nível físico. Hoje, em idade avançada, entendo perfeitamente as palavras de meu falecido pai. E, ele tinha absoluta razão. Minha mente foi se perdendo na escuridão e adormeci.


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